Uma brisa
entrou pela janela e eu arrepiei dos pés a cabeça ainda na cama em uma certa
manhã de verão. Apesar disso, o dia não estava tão quente, mas o sol apontava
no alto. Senti uma dor no corpo e lembrei, após perceber que meu nariz estava
trancado, que ainda não estava totalmente curada de uma gripe. Escutei meu
celular tocar três vezes na cômoda. Mensagem.
>> Bom
dia, dorminhoca <<
Um sorriso
torto apareceu no canto da minha boca e respondi com outra mensagem:
>> Bom
dia. Vai vim aqui hoje <<
>> Não
tão cedo. Tenho que resolver algumas coisas. Jantar? <<
>> Pode
ser. Algum lugar especial? <<
>>
Surpresa!!! <<
>> Odeio
surpresas! <<
>> Eu
sei <<
Ri sozinha e
levantei da cama me espreguiçando ao máximo. A dor foi grande e eu me senti
febril. Tomei um banho gelado assobiando o tema de Kill Bill. Quem sabe a música amedrontasse o vírus!
Coloquei uma
calça jeans desbotada, uma blusa larga e um All-Star rasgado. Olhei pela janela
a praça arborizada que eu tinha a sorte de ver todas as manhãs desde o dia que
comprei o apartamento. Havia um casal ou outro nos bancos, algumas pessoas
fazendo caminhada ou correndo, e algumas crianças no parquinho. Para uma
segunda-feira, era um ótimo dia, apesar da gripe.
Desci pelo
elevador olhando no espelho que havia dentro. Meu cabelo estava úmido e
desgrenhado, então fiz um coque no alto da cabeça e senti outra brisa percorrer
meu pescoço no exato momento que a porta automática se abriu.
Saindo do
prédio, andei calmamente pelo caminho de pedras até um banco isolado ao lado de
um mini-lago, no centro da praça.
Fechei os
olhos, respirei fundo e escutei tudo ao redor. A água se movimentando pelo
vento, vozes ao longe, barulho de crianças, pássaros, alguém pisando na grama e
em gravetos... Ainda
estava febril, mas a sensação no corpo era de relaxamento.
Senti uma
movimentação bem perto e abri os olhos bem na hora que uma garota de sentou ao
meu lado. Na mão dela havia uma vareta de metal e ela usava óculos. Uma garota
de, mais ou menos, quinze anos e cabelo na altura do ombro da cor marrom.
De repente,
uma vontade de espirrar me aconteceu e o espirro foi tão alto que ecoou pela
praça. A garota cega sorriu e disse:
-Saúde – a voz
era doce e sonora.
-Obrigada.
-Qual o seu
nome?
-Júlia. E o
seu?
-Karina. O que
te traz até a praça?
-Eu moro bem
na frente. E minha vontade sair e expulsar a gripe são maiores.
-Gripe? – ela
riu.
-Qual a graça?
-Nenhuma.
Acordei de bom humor.
-Com gripe é
difícil ficar de bom humor.
-É mesmo, mas
você está se saindo bem – ela riu.
-O ambiente
ajuda.
-Imagino.
Silêncio. Eu
sorri e respirei fundo. Uma companhia matinal era sempre bem-vinda, e ela era
muito bonita.
-Você gosta de
poemas? – ela perguntou.
-Sim. Depende
de quem é ou de quem conta. Por quê?
-Estava
criando um poema agora na minha cabeça e eu queria que alguém ouvisse. Posso?
-Pode. Quer
que eu anote?
-Não precisa.
Talvez você lembre.
-Como pode
saber?
-Não sei.
Intuição... Posso recitar?
Assenti com a
cabeça, mas lembrei que ela era cega.
-Sim.
“Assim como o calor envolve o
corpo
Bane
a sensação de algum isolamento
De
um frio que te rouba um sopro
Ou
te faz esquecer de algum envolvimento
Lembro
das vezes que fiquei um tanto sozinha
Pensando
que talvez esquecesse meu lugar
Nessa
imensidão que minha mente caminha
Chego
a pensar que esqueci o que vim buscar
Um sussurro de anjo me desperta
Me
faz ver o que tanto esquecia
Como
uma nota tocada na hora certa
Me
faz sorrir ao ver a alma que envolvia
Algum
braço me roça a pele
Um
arrepio me domina a alma
Algum
beijo que aqui se sele
Um segredo que me torne calma”
-Que lindo!
Você não fez agora.
-Fiz sim – ela
riu – Faço isso com frequência. Que nome você daria pro poema?
-Alma – foi a
palavra que ecoou na minha cabeça quando Karina recitou.
-Alma... É,
ficou bom. Tenho que ir. Prazer em te conhecer, Júlia.
-Prazer foi
meu. Obrigado pelo poema.
-É o meu
presente em palavras.
Eu sorri assim
como ela também o fez e foi caminhando pelas pedras. Olhei para o outro lado e
voltei a olhar para o caminho, e Karina havia desaparecido. Ou ela era muito
rápida, ou eu estava a imaginando. Maldita febre! Optei pela rapidez da garota.
Verifiquei as
horas e fui almoçar. Caminhei por toda a cidade até dar umas quatro e meia.
Voltei calmamente e percebi que minha febre tinha desaparecido, apesar do meu
corpo estar meio mole.
Chegando ao
meu prédio, subi até o meu andar e entrei no meu apartamento, que estava bem
escuro, mas não quis acender as luzes. Vi uma luz vindo do meu quarto. Fiquei
apreensiva, mas continuei andando até lá.
Ao entrar, vi
minha cama toda enfeitada com flores e os móveis estavam com várias velas. No
meio da cama tinha uma garrafa de champagne e dois pratos.
-É realmente
uma surpresa – eu disse.
-Gostou? – ele
perguntou, sorrindo.
-Pior que sim.
-Tem uma
lasanha no forno. Daqui a pouco fica pronta. O que você fez à tarde?
-Aprendi um
poema. Quer ouvir?
-Sim.
Recitei o
poema, palavra por palavra. Ele sorriu lindamente.
-Quem te
mostrou?
-Um anjo.