sábado, 2 de março de 2013

Alma

Uma brisa entrou pela janela e eu arrepiei dos pés a cabeça ainda na cama em uma certa manhã de verão. Apesar disso, o dia não estava tão quente, mas o sol apontava no alto. Senti uma dor no corpo e lembrei, após perceber que meu nariz estava trancado, que ainda não estava totalmente curada de uma gripe. Escutei meu celular tocar três vezes na cômoda. Mensagem.
>> Bom dia, dorminhoca <<
Um sorriso torto apareceu no canto da minha boca e respondi com outra mensagem:
>> Bom dia. Vai vim aqui hoje <<
>> Não tão cedo. Tenho que resolver algumas coisas. Jantar? <<
>> Pode ser. Algum lugar especial? <<
>> Surpresa!!! <<
>> Odeio surpresas! <<
>> Eu sei <<
Ri sozinha e levantei da cama me espreguiçando ao máximo. A dor foi grande e eu me senti febril. Tomei um banho gelado assobiando o tema de Kill Bill. Quem sabe a música amedrontasse o vírus!
Coloquei uma calça jeans desbotada, uma blusa larga e um All-Star rasgado. Olhei pela janela a praça arborizada que eu tinha a sorte de ver todas as manhãs desde o dia que comprei o apartamento. Havia um casal ou outro nos bancos, algumas pessoas fazendo caminhada ou correndo, e algumas crianças no parquinho. Para uma segunda-feira, era um ótimo dia, apesar da gripe.
Desci pelo elevador olhando no espelho que havia dentro. Meu cabelo estava úmido e desgrenhado, então fiz um coque no alto da cabeça e senti outra brisa percorrer meu pescoço no exato momento que a porta automática se abriu.
Saindo do prédio, andei calmamente pelo caminho de pedras até um banco isolado ao lado de um mini-lago, no centro da praça.
Fechei os olhos, respirei fundo e escutei tudo ao redor. A água se movimentando pelo vento, vozes ao longe, barulho de crianças, pássaros, alguém pisando na grama e em gravetos... Ainda estava febril, mas a sensação no corpo era de relaxamento.
Senti uma movimentação bem perto e abri os olhos bem na hora que uma garota de sentou ao meu lado. Na mão dela havia uma vareta de metal e ela usava óculos. Uma garota de, mais ou menos, quinze anos e cabelo na altura do ombro da cor marrom.
De repente, uma vontade de espirrar me aconteceu e o espirro foi tão alto que ecoou pela praça. A garota cega sorriu e disse:
-Saúde – a voz era doce e sonora.
-Obrigada.
-Qual o seu nome?
-Júlia. E o seu?
-Karina. O que te traz até a praça?
-Eu moro bem na frente. E minha vontade sair e expulsar a gripe são maiores.
-Gripe? – ela riu.
-Qual a graça?
-Nenhuma. Acordei de bom humor.
-Com gripe é difícil ficar de bom humor.
-É mesmo, mas você está se saindo bem – ela riu.
-O ambiente ajuda.
-Imagino.
Silêncio. Eu sorri e respirei fundo. Uma companhia matinal era sempre bem-vinda, e ela era muito bonita.
-Você gosta de poemas? – ela perguntou.
-Sim. Depende de quem é ou de quem conta. Por quê?
-Estava criando um poema agora na minha cabeça e eu queria que alguém ouvisse. Posso?
-Pode. Quer que eu anote?
-Não precisa. Talvez você lembre.
-Como pode saber?
-Não sei. Intuição... Posso recitar?
Assenti com a cabeça, mas lembrei que ela era cega.
-Sim.


“Assim como o calor envolve o corpo
            Bane a sensação de algum isolamento
                        De um frio que te rouba um sopro
                                   Ou te faz esquecer de algum envolvimento

                                               Lembro das vezes que fiquei um tanto sozinha
                                   Pensando que talvez esquecesse meu lugar
                        Nessa imensidão que minha mente caminha
            Chego a pensar que esqueci o que vim buscar

Um sussurro de anjo me desperta
            Me faz ver o que tanto esquecia
                        Como uma nota tocada na hora certa
                                   Me faz sorrir ao ver a alma que envolvia

                                   Algum braço me roça a pele
                        Um arrepio me domina a alma
            Algum beijo que aqui se sele
Um segredo que me torne calma”

-Que lindo! Você não fez agora.
-Fiz sim – ela riu – Faço isso com frequência. Que nome você daria pro poema?
-Alma – foi a palavra que ecoou na minha cabeça quando Karina recitou.
-Alma... É, ficou bom. Tenho que ir. Prazer em te conhecer, Júlia.
-Prazer foi meu. Obrigado pelo poema.
-É o meu presente em palavras.
Eu sorri assim como ela também o fez e foi caminhando pelas pedras. Olhei para o outro lado e voltei a olhar para o caminho, e Karina havia desaparecido. Ou ela era muito rápida, ou eu estava a imaginando. Maldita febre! Optei pela rapidez da garota.
Verifiquei as horas e fui almoçar. Caminhei por toda a cidade até dar umas quatro e meia. Voltei calmamente e percebi que minha febre tinha desaparecido, apesar do meu corpo estar meio mole.
Chegando ao meu prédio, subi até o meu andar e entrei no meu apartamento, que estava bem escuro, mas não quis acender as luzes. Vi uma luz vindo do meu quarto. Fiquei apreensiva, mas continuei andando até lá.
Ao entrar, vi minha cama toda enfeitada com flores e os móveis estavam com várias velas. No meio da cama tinha uma garrafa de champagne e dois pratos.
-É realmente uma surpresa – eu disse.
-Gostou? – ele perguntou, sorrindo.
-Pior que sim.
-Tem uma lasanha no forno. Daqui a pouco fica pronta. O que você fez à tarde?
-Aprendi um poema. Quer ouvir?
-Sim.
Recitei o poema, palavra por palavra. Ele sorriu lindamente.
-Quem te mostrou?
-Um anjo.

Playlist

I’m as alive as I can be”, dizia a música no meu ouvido enquanto estava sentado no bando de uma praça. Minha imaginação começou a se agitar e então me vi imaginando o futuro. Uma garota de cabelos curtos e negros passou na minha frente, olhando para o alto e tirando fotos da árvore.
E se ela virasse e olhasse pra mim. Teríamos um contato visual, talvez eu perguntasse o porquê do interesse dela por fotografias e ela explicasse, me fazendo rir de alguma coisa. Poderíamos nos beijar por algum motivo e... “We can burn brighter than the sun”. Ir para uma festa e enlouquecer um pouco. Beijar mais, beber um pouco, dançar e beijar de novo. Não era eu que estava pensando, era a minha mente. Assim, ela criou mais coisas.
Uma outra garota ficou de pé ao lado da primeira e elas trocaram beijos faceais, e começaram a conversar. Ela era morena de cabelo castanho, e logo entrou na minha história mental.
Na festa, a segunda garota (Vou chamá-la de Dois) chegaria e procuraria sua amiga, que estaria comigo. Ela chegaria perto e falaria “Hey, hey, you, you, I wanna be your girlfriend”. A Um ficaria irritada enquanto a Dois me puxaria e me beijaria. Eu arregalaria os olhos e a Um me puxaria pra longe, pulando em cima da Dois. Todos na festa gritariam “And party, and bullshit” e eu sairia de fininho.
Eu ficaria sozinho na rua numa noite bem escura com céu nublado, ameaçando chover. Olharia para um lado, para o outro na procura das garotas, talvez de algum bandido na calada da noite. A chuva realmente começaria a cair fortemente e eu teria que procurar algum abrigo. Poderia acrescentar vento forte e raios ao fundo. Começaria a correr loucamente, respirando forte e ficando cansado ao perceber que não haveria quase nada aberto.
Localizaria um pub com show ao vivo que cantaria “Black bird, take this old wings and learn to fly”. Iria para o fundo do pub à procura de um banheiro e algo para me seca. Olharia no espelho por um longo tempo e riria da minha molhada situação. Sairia do banheiro e sentaria no balcão para pedir alguma bebida.
Minha imaginação começou a falhar, mas um garoto passou por mim na praça e sentou num banco ao longe com um livro na mão... “I’m the black in the book, the letters on the pages that you memorized”.
No bar, o garoto de cabelo claro passaria uma bebida pra mim e eu sorriria pra ele. Ele se apresentaria e eu não. Ele perguntaria por que e eu pediria para sair para um lugar mais calmo. Ele diria que estava chovendo, que só teria um lugar seguro e seco. Eu pergunto onde e ele só pediria para segui-lo. Antes, tomaria a bebida em um gole, balançaria a cabeça e daria a mão para ele até a saída.
Ele me conduziria até o carro dele e empurraria o banco para dar mais espaço... “Touch me and turn away”. Tocaria minha perna e eu chegaria bem perto de seu rosto, roçando nossos lábios. Eu ouviria a respiração dele e vice-versa. O beijaria com tesão e vontade, ficando sobre seu corpo, puxando sua blusa, tocando desde o abdômen até o tórax. As mãos dele escorregariam pelas minhas costas até o cinto e arrancaria a calça bem devagar. Eu desceria a mão até a calça dele e enfiaria minha mão por dentro, e perceberia que ele estava sem cueca. Então veria o toque dele na minha bunda e o suspiro dele quando eu o excitasse bem devagar. Eu beijaria seu pescoço, lamberia seu rosto e ele morderia a ponta da minha orelha, indo para a boca roçando os lábios por todo o rosto. Pele sobre a pele, totalmente despidos e ele dizendo coisas no meu ouvido. Ele perguntaria o que queria e eu diria “I wan sex for breakfast, stay inside”...
Quando minha imaginação chegou ao êxtase total, minha playlist tinha acabado.

- Músicas citadas pra quem quiser ouvir:
http://www.youtube.com/watch?v=MEkS_mQ0GlI
http://www.youtube.com/watch?v=Sv6dMFF_yts
http://www.youtube.com/watch?v=Bg59q4puhmg
http://www.youtube.com/watch?v=dOOxlVUC08Q
http://www.youtube.com/watch?v=BrxZhWCAuQw
http://www.youtube.com/watch?v=9P5ZU0viXyQ
http://www.youtube.com/watch?v=Ap-A0RKhi2s
http://www.youtube.com/watch?v=4mnY7BUwhvU

sábado, 26 de janeiro de 2013

Somente

O vapor do banheiro encheu o quarto de umidade e, enrolada numa toalha, peguei um cigarro na bolsa. Respirei fundo aquele veneno e pensei em meus futuros atos. Joguei o cigarro pela janela do apartamento e em virei para o guarda-roupa. Vesti minha calça de couro preta, uma bota sem salto e uma blusa de corpete de couro e mangas longas de tecido. Fui até a cozinha, abri a gaveta e vi o acessório mais brilhante que eu guardava. Uma faca de ouro. E chegou o grande dia de usá-la. Coloquei-a no alto da bota e me olhei no espelho.
Meus cabelos negros desciam pelas minhas costas em um liso perfeito e meus olhos pequenos marcados por uma maquiagem pesada me davam um ar de perigo. Respirei fundo mais uma vez e saí do apartamento.
“A sua beleza é rara”, ele dizia ao meu ouvido. “Por que você não vem comigo?”. O maior erro da minha vida. Aquela maldita festa, com pessoas estranhas, roupas de gala e uma música de violino deprimente. E o pior de tudo, aquele maldito homem que havia roubado o que me era mais precioso. Como ele soube? Como ele conseguiu? Como ele ousou?
Meus pés quase afundavam a calçada, tamanha era a minha determinação e ódio. Não morava longe, mesmo que morasse, arranjaria forças para recuperar o que me foi tirado. A faca vibrava na minha perna e eu, com a maior paciência que eu podia arrumar, me controlava para não usar no próximo ser que cruzasse meu caminho.
Aquela cama vermelha, aquelas mãos leves e macias percorrendo meu corpo, aquele pano branco no meu rosto e aquele meu colar desaparecido. Fui burra, ingênua. Como pude? Mas eu tinha meus meios. Conhecia freelancers que apavorariam qualquer um, hakers espertos e contra qualquer tipo de lei do sigilo. Eu era cercada de gente competente, sendo meu pai o responsável. Morto por dinheiro e me deixando tudo o que qualquer ser humano poderia sonhar, mas nem tudo é como se pensa, como se deseja. Pessoas vão atrás de você. Pessoas querem o que você tem. Pessoas são mesquinhas. Pessoas jogam com pessoas, e o irônico é que todos querem jogar com todos. Não há trégua, não há compaixão, não há aceitação.


O prédio cinza e velho. Finalmente no meu destino final. A faca vibrava mais e minha pulsação acelerava à medida que a adrenalina domava meu corpo. Subi as escadas, cada segundo um degrau. De frente para porta número 105 respirei fundo pela última vez e bati três vezes pausadamente.
Ouvi os passos dele por trás da porta e, quando ele deu de cara comigo, disse:
-Oh, meu Deus!
E num ato de desespero, ele tentou fechar a porta o mais rápido possível, mas meu pé já impedia esse ato. Então a cena pareceu desacelerar e eu chutei a porta juntamente com ele, o qual caiu para trás num baque surdo e começou a falar:
-Não faça isso. Só me contrataram. Eu faço qualquer coisa. O que você quer? Qual seu preço?
Encarei seu rosto e o chutei com toda minha força, e ele soltou um gemido.
Entrei no quarto dele e encontrei facilmente um baú. O baú de meu pai, que estava trancafiado. Segredos e riquezas guardados naquele objeto roubado. Estava trancado, obviamente.
-Você vai precisar da chave – disse o homem abatido no chão, que ria e ria de loucura com os dentes vermelhos de sangue.
Cheguei perto dele e o chutei mais uma vez. Peguei seus cabelos negros e olhei em seus olhos azuis. Uma pena ter que acabar com um homem tão bonito. Mas, fazer o quê?
-Eu não vou falar onde está. – e riu mais uma vez.
Franzi o cenho e voltei ao quarto. Peguei o terno que ele tinha usado no dia que me roubou o colar com a chave. Previsivelmente, lá estava a chave no bolso interno no blazer. Voltei mais uma vez para a sala e o homem havia desaparecido. Por instinto, puxei minha faca da bota e coloquei em posição de ataque. Andei passo por passo e vi um rastro de sangue indo para a cozinha, mas eu sabia que ele não estava lá.
Percebi uma sombra atrás de mim e, por uma fração de segundos, desviei de um abajur. Bati em seu braço com o cotovelo, dei uma cabeçada em sua testa e, chegando mais perto, enfiei a faca com toda a minha vontade em sua barriga. Ele arregalou os olhos e, quando tirei a faca que pingava o mais quente sangue, ele desabou.
De frente para o baú, utilizei a chave e o abri. Tudo em seu devido lugar. Joguei a faca dentro e o tranquei, guardando a chave na bota. Peguei o baú e o joguei para fora do apartamento. Olhei para o quase morto e fui até a cozinha. Havia vodka, whiskie e cerveja suficiente para molhar o lugar inteiro. Com toda a substância despejada, fiquei na porta do apartamento, vi o desespero do homem, eu sorri e risquei um fósforo.
Sai do prédio rapidamente com o baú bem perto do meu corpo. E, quando pisei na calçada, o apartamento explodiu e eu sorria.
Meu nome é Yachiru, filha de gangster e protegida por forças ocultas. Somente a dor da solidão podia me atormentar. As pessoas eram minhas inimigas. Somente o dinheiro era meu amigo. Mas eu sabia que depois daquele noite, todos saberiam meu nome. Naquele noite, eu havia matado um homem.

Such a pity


Tradução:


O único que sabe sobre sentir falta de alguém é o próprio dono da dor e dói em vão / Mas quando eu vejo ou quando você me escreve algo eu me sinto alguém fora da dor / Quando você me abraça eu sinto que o mundo é meu e ninguém é bom o suficiente para me fazer amar / E sua graça me faz acreditar que eu não estou sozinho abaixo do rio ou dos nossos sonhos de sorte

Eu acredito em você de olhos fechados
Eu sei quando leio sua mente
Eu te sinto quando você está prestes a chorar
Você me tem quando eu estou rezando
Você me deixa correr por caminhos difíceis
Você me dá outras chances para amar

É uma pena que você seja minha amiga, porque seríamos ótimos

A única garota no mundo para me dar conselhos e promessas que nunca serão quebradas / Depois de algum silêncio você me faz rir das pequenas coisas bobas entre você e eu / Eu só quero que você saiba que você fez da minha vida algo que vale a pena ser e eu estou feliz de ver / De ver que eu te amo mais do que eu sabia e parece que eu te conheço faz anos; está só começando

Eu acredito em você de olhos fechados
Eu sei quando leio sua mente
Eu te sinto quando você está prestes a chorar
Você me tem quando eu estou rezando
Você me deixa correr por caminhos difíceis
Você me dá outras chances para amar


É uma pena que você seja minha amiga, porque seríamos ótimos

sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Solidão

Pensei que nunca chegaria a esse ponto. Um tanto sozinho, um tanto melancólico, um pouco triste, meio apático. Mas aqui estava eu, sem meus amigos da minha cidade natal, sem os amores que tive naquela pequena cidade do interior. A gente cresce, corre atrás dos sonhos, mas a que preço? A ponto de ficar solitário o bastante para querer refazer as escolhas para então ficar mais perto de quem me importa? Talvez... A única coisa que sabia era que eu andava pelas ruas daquela nova cidade tão desconhecida e vazia, sob uma lua cheia e céu sem estrelas.
Acostumei a uma rotina sem muitas emoções: acordar, tomar banho, comer, ir pra faculdade, comer de novo, voltar para faculdade, estudar à noite, comer mais uma vez, chorar antes de dormir e então apagar na cama como se tudo fosse descartável e desinteressante.
Às vezes a cama me expulsava e eu ficava na sala assistindo os filmes de romance com tanta esperança e certa perfeição. E todos sabem que não é bem assim... Nunca foi...
Porém, hoje, eu estava com vontade de sair e caminhar. A noite me chamava e eu atendi seu pedido. E lá eu estava sem rumo e com tantas ideias na cabeça. Um ano atrás, me sentia revigorado e livre para viver uma vida autônoma. Agora, eu via o quanto eu tive que pagar por essa suposta liberdade. Parece bobeira e é algo que todos sabem, mas fazer o quê se todos pensam a mesma coisa e no final ficam sozinhas? Bom, pelo menos a maioria das pessoas dessa imensidão. Tantas pessoas no mundo que estavam arranjadas, outras tantas que mal sabiam seus destinos e outras ainda que pensassem em tudo que escolheu, como eu.


Não me arrependi de nada. Não! Esse não seria eu, mas, quem sabe, daqui pra frente eu escolha algo menos “eu, eu mesmo e somente eu”. Preciso de pessoas, preciso de um sorriso de manhã, um abraço de consolo, um beijo de boa noite, uma companhia para o almoço...
No memento que pensei em almoço, meu estômago roncou, mas eu não tinha dinheiro. Minha carteira tinha ficado no apartamento sobre o balcão da cozinha. Quando pensei em voltar e chorar mais um pouco pela solidão e tomar sorvete de pote, algumas gotas começaram a cair e a lua começou a se esconder. Não daria tempo de chegar até o apartamento sem me molhar até as entranhas. Então, corri para uma rua de comércio, um tanto movimentada para umas duas da manhã.
Olhei cautelosamente para cada estabelecimento e decidi entrar em um restaurante pequeno, mais parecido com um pub. Tinha até um letreiro luminoso de neon. O lugar parecia bem vazio e estava aquecido por um forno a lenha no final do ambiente. Fui andando até o banheiro para secar meus braços que estavam um pouco molhados. Não estava preocupado se ia consumir alguma coisa e ainda usar o banheiro. Mesmo porque era madrugada e chovia de um jeito bem constante, uma chuva fina e volumosa.
Vi meu reflexo no espelho e eu parecia pálido e cansado. Puxei meu rosto e toquei meus lábios secos. Arrepiei de frio e sai do banheiro. Ao sair, vi um garoto sentado no bar e quando percebi quem era, ele sorriu e chamou meu nome. Eu, inconscientemente, sorri também, já que era uma cena bem improvável de acontecer. Mas ele estava lá!
-Não acredito que eu te encontrei há essa hora – ele disse a uns três passos de distancia – Ia te procurar amanhã.
Então ele me abraçou e eu disse perto de seu ouvido:
-Pensei que eu nunca ia ver essa cena. Pensei que fosse só uma promessa.
-Eu disse que ia te esperar – ele ainda estava abraçado comigo – Eu não disso que te amava por bobeira.
Uma lágrima quente e boba escorreu pelo meu rosto. Talvez a esperança de um filme romântico não seja tão improvável assim.

Estrelas

Não poderia ter ficado mais um minuto naquela sala do lado de pessoas que conhecia ou não. Todas choravam por uma mãe, a mãe do meu melhor amigo. Mas eu não podia ficar olhando para aquele corpo sem vida, ainda mais com tantos para lamentarem mais do que eu. Era uma boa mulher, apesar de ter a visto umas duas ou três vezes. Senti-me incrivelmente triste, como se o próprio dia tivesse morrido. O tempo lá fora parecia esfriar e já estava escurecendo, com uma ponta do sol.
Ao sair do quarto, me deparei com um corredor comprido e totalmente branco, a não ser pelas enfermeiras e médicos de verde que andavam pelo hospital a toda hora. Muitas portas estavam fechadas, ocupadas por pacientes e a minha caminhada pelo corredor me deixou pior do que antes. Tantas pessoas passando dificuldades e eu, forte e saudável. Não parecia justo...
Quando estava chegando ao final do caminho, ouvi um choro de criança. Não um choro de bebê quando está com fome ou simplesmente caiu, mas um choro sentido com soluços seguidos. Senti-me extremamente triste com o som que a criança fazia e, em menos de um segundo, uma porta se abriu, e vi uma enfermeira saindo do quarto da tal criança. Ela se virou para mim:
-Posso ajudar?
-Não, tudo bem. Só estou esclarecendo a mente – respondi, tentando ver a criança pela fresta da porta que ela tinha deixado – Posso fazer uma pergunta?
-Você já fez.
-Então, quem está nesse quarto?
-Uma garota... Mas por que você quer saber? – ela levantou a sobrancelha desconfiando de mim.
-Não sei... Senti-me comovido com o choro dela. Ah, deixa pra lá. A senhora deve ter mais o que fazer.
-Sim, o senhor tem razão. Mas eu vou te dar uma informação com uma condição: Não conte para ninguém que eu te contei! – ela chegou mais perto e eu achei muito estranho o que estava acontecendo.
-A garota – começou ela – É órfã e comente um padre a mantém aqui para cuidar de um câncer terminal. Como não vi perigo no senhor, acho que seria boa uma companhia para ela. Não sei quanto tempo ela viverá e eu não posso ficar mais tempo com ela. – ela se afastou e sorriu, um sorriso gentil e cálido – Mas acho que o senhor já deixou pra lá...
Com essa última frase, ela se afastou até desaparecer de vista.
Fiquei meio confuso, e não pude deixar de pensar na garota. Câncer para uma criança? Uma criatura pura e órfã? Isso, com certeza, não parecia justo...
Pensei no meu próximo ato e decidi que deveria entrar no quarto, mesmo porque meus amigos e o resto iam demorar um tanto. Respirei fundo, me coloquei de frente para a porta e bati levemente três vezes. Uma voz fraca me permitiu entrar e vi a garota sentada na cama.
-Quem é você? – ela perguntou com um olhar triste – Não parece um médico.
-Não, eu não sou médico. – eu sorri de forma carinhosa – A sua enfermeira falou que você estava se sentindo sozinha. E ela pensou que eu poderia te fazer companhia.
-E o que você estava fazendo antes? – ela era esperta. Sua cabeça estava raspada e seu rosto era róseo por ser tão branca. Seus olhos eram grandes e azuis, e eram tão intensos que quando fazia aquelas perguntas, eu me senti incomodado. Mal fitava a garota.
-Meu amigo acabou de perder a mãe e eu preferi deixá-lo sozinho.
-É... Muitas pessoas morrem nesse lugar. Lana disse que eles vão para um lugar melhor.
-Quem é Lana? – perguntei dando dois passos em direção a cama.
-A enfermeira que você acabou de encontrar. É quem me faz companhia na maior parte do tempo. E qual é o SEU nome?
-Thiago. E o seu? – tentei sorri, mas estava constrangido.
-Maria. O padre que colocou esse nome. Não gosto muito dele...
-Eu acho lindo. Posso me sentar ao seu lado?
-Pode... Acho que pode...
Cheguei perto e sentei bem devagar ao seu lado. Ela sorriu e eu vi que faltavam dois dentes na parte de baixo da sua arcada.
-Sabe por que seu nome é muito lindo? – perguntei, fazendo ela me olhar torto.
-Não, por quê?
-Porque tem a mesma origem do meu. Thiago e Maria estão na Bíblia.
-É por isso que o padre escolheu esse nome? É, mas sentido...
Um silêncio se seguiu e eu me senti meio desconfortável, até ela tocar minha mão e dizer:


-Sua pele é áspera.
-Muito gentil da sua parte – eu disse rindo, a deixando envergonhada – Tudo bem. Você é bem curiosa. Não é? Quantos anos você tem?
-Oito. E você?
-Vinte e cinco.
-Nossa! Pensei que fosse mais novo.
-É um elogio, então?
-É, deve ser – ela me encarou com seus lindos olhos azuis e perguntou – O senhor acredita em Deus?
-Acredito. E você?
-Não sei. Não tenho uma prova que ele exista. Se ele existisse, acho que não estaria aqui.
-Não diga isso – um bolo se formou na minha garganta – Vou te contar uma história.
-Ah, não! Se tiver princesas bobas e burras eu não quero ouvir.
-Não, não – eu ri – Não é uma história assim. É algo que meu avô disse uma vez. Sabe as estrelas?
-Sei. São tão lindas e brilhantes!
-Então, elas são pessoas – vi que Maria arregalou os olhos e eu continuei – Quando morremos, viramos estrelas. Mas somente se não fizermos nada de errado. Quanto mais brilhante for a estrela, melhor foi a pessoa. O céu à noite pode ser escuro, mas se você fez muitas coisas boas, então seu brilho fará dessa escuridão algo mais feliz assim que você se tornar uma estrela.
Maria se ajeitou na cama e perguntou:
-Será que eu vou virar uma estrela?
Senti meus olhos queimarem com as lágrimas quentes que começaram a se formar, e antes que uma gota caísse, eu respondi:
-Com certeza! Com certeza...
Então, ela adormeceu ao meu lado e eu saí do quarto de fininho, dando uma última olhada naquele rosto angelical com um esboço de sorriso. Apaguei a luz e me senti melhor, apesar de uma tristeza apertar meu coração.

Na tarde seguinte, resolvi voltar ao hospital para ver Maria. Na minha mão havia um girassol e meu rosto estava iluminado de felicidade. Quando chegue ao hospital, Lana me chamou:
-Thiago – e eu me virei – É Thiago, não é?
-Sim. Vim ver Maria.
-Sinto dizer, Thiago, mas ela faleceu hoje de manhã.
Meu peito se apertou e Lana me entregou um papel, dizendo:
-Mas ela deixou um desenho.
Peguei a folha e vi duas estrelas desenhadas com giz de cera, cada uma com um nome: Thiago e Maria.
Apesar das lágrimas, eu sorri. Sentiria saudades de Maria...

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Dead in the water

If I was not myself
And you were someone else
I'd say so much to you
And I would tell the truth
Cause I can hardly breathe

When your hands let go of me
The ice is thinning out
And my feat brace themselves

I'm there in the water
Still looking for ya
I'm there in the water
Can't you see? can't you see?

You've seen this all before
Life left on the shore
We're smiling all the same
You sail away again

I'm there in the water
Still looking for ya
I'm there in the water
Can't you see? can't you see?

Oh yeah
I'm dead in the water
Still looking for ya
I'm dead in the water
Can't you see? can't you see?

I'm dead in the water
Still looking for ya
I'm dead in the water
Can't you see? can't you see?

Ouvir essa música de Ellie Goulding e mais:
Link: http://www.vagalume.com.br/ellie-goulding/dead-in-the-water.html#ixzz2Iuj9kM1T